terça-feira, 7 de maio de 2013

Braga Semnário - Crónica de Miguel Bandeira








O cover das Convertidas
Quem gosta de música sabe que o “cover” é um sucesso passado que já foi antes cantado por outros
É assim que vemos a requentada proposta do Senhor Presidente de Câmara, em final de mandato - quando deveria estar a arrumar os papeis da sua eternidade política - em vir propor que o património barroco do Recolhimento das Convertidas, na avenida Central, possa ser reconvertido no laico uso de uma pousada de juventude.
Mas como toda a gente sabe este não é o verdadeiro problema do Recolhimento das Convertidas. Depois do catálogo de alvitres que estimulou estes meses o voluntarismo e a cidadania com as mais diversas propostas de reabilitação do monumento, hoje toda a gente já percebeu que não se dispõe de recursos públicos para sustentar uma intervenção digna da preservação do valor do património em causa. Quando a ASPA propôs neste mesma coluna, em 17 de Dezembro passado, que as Convertidas passassem a ser um polo do museu dos Biscainhos, não foi para reverter mais dinheiros públicos, criar mais lugares, aventar novos arrojos museológicos, etc., mas tão só, atender à emergência da preservação essencial do monumento, designadamente, promover a consolidação física do edificado (reforço de estruturas e cobertura), garantir a sua segurança, proceder ao rebocamento e à limpeza, e, recorrendo à estrutura museológica já existente na cidade, oferecer visitas regulares, ainda que periódicas ou por marcação. Contrariados, é verdade, temos de o confessar, mas muito realisticamente conscientes, pois tudo o resto terá de aguardar por melhores dias.
Também todos aqueles que amam verdadeiramente o património já perceberam que as Convertidas são uma espécie de “máquina do tempo”. Desde o século XVIII que o Recolhimento chegou até aos nossos dias com uma função continuada, que não pode ser mantida, obviamente, porque é anacrónica, mas, igualmente, porque é sabido que uma memória histórica com este valor não resiste às condicionantes de um qualquer caderno de encargos próprio de um equipamento colectivo do nosso tempo. Estamos convictos que, nem mesmo o alcance mais sóbrio ou imaginativo de um arquitecto garante uma intervenção honesta sem o dispendio de avultados recursos financeiros. Por isso temos dúvidas que hajam projectos para as Convertidas nos próximos tempos que preservem a autenticidade e a genuinidade do seu alcance patrimonial.
Pena é que, mais uma vez, muitos não tenham entendido que o principal interveniente público, e quem verdadeiramente percebeu tudo isto, tenha sido o nosso Presidente de Câmara. Infelizmente não pelas melhores razões, já que todos o sabemos, independentemente dos seus méritos pessoais, é consensual para todos, que não irá ficar para a história pela defesa e promoção do património histórico e cultural de Braga.
O nosso Presidente sabe melhor que ninguém que não haverá dinheiro para construir uma nova pousada garantindo a preservação das Convertidas senão for possível avançar pelas casas da Avenida Central que estão ao lado – vá-se lá saber de quem são e os bens que constituem e também a quem pertencem – e, sobretudo, se o novo “complexo” não se estender ameaçadoramente pelos terrenos traseiros das hortas/jardins do interior do quarteirão. De facto, o que resta da antiga cerca do recolhimento, oferece um significativo stock de terreno para tornar especultiva a obra e rentável para mais um possível negócio imobiliário no centro histórico de Braga.

Perspetiva mais recente do valor “patrimonial” cobiçado das Convertidas (google maps)
. Não é uma criação do intérprete que agora o executa, mas é um tema de reportório, quando não há

mais, destinado a impressionar o público. Isto é, para dar uma imagem melhorada de si, tantas vezes porque se está gasto e limitado na capacidade de criar algo de novo.
Claro que isto não constitui qualquer problema para quem, da preservação do património de Braga, caucionou a centro histórico à repressão “fachadista” de uma longa noite urbanística. Para a edilidade, desde que se possa manter o alçado cénico vertente para a avenida central, tudo o que fica para trás não tem a menor importância, incluindo, claro está, e disso, caro leitor, não tenha a menor dúvida, a integridade das casas setecentistas aí existentes.
Decorridos quase 17 anos que, aqui nesta coluna (EA-DM:6/V/1996), denunciámos o crescimento desregulado da cidade no “miolo dos quarteirões” do centro histório de Braga, a anunciada pousada nas Convertidas, não sendo mais do que um crime lesa património, representaria mais um duro golpe na já desvastada mancha verde urbana de Braga. Isto é, mais densidade construtiva associada às dificuldades de tráfego e estacionamento; mais impermeabilização do solo, com aumento de carga das escorrências pluviais, subida da temperatura média da “ilha de calor” urbana, e redução da qualidade do ar; extinção das relações de vizinhança, degradação da qualidade de vida dos moradores e da sua segurança. Enfim, a cidade, há pouco tempo com 12m2 de área verde por habitante (falta descontar o “verde” dos sintéticos e das rotundas), continua a betomizar perigosamente o espaço urbano, em particular, o centro histórico, afastando-se assim do ratio de 40 m2/habitante de área verde recomendáveis pelas instâncias de referência nacionais e internacionais, dos quais 30 m2/habitante de área verde primária (zonas ribeirinhas e área verde arborizada/parques urbanos) e 10 m2/habitante de área verde secundária (logradouros, jardins, praças ajardinadas, etc.). As mesmas que, no nosso caso, apontam para a necessidade de se chegar aos 480 hectares de área verde urbana, nos quais se integram os referidos logradouros existentes no miolo dos quarteirões.
Braga precisa definitivamente de deixar de ouvir a mesma música, ainda que esta nos surja com outros arranjos e orquestrações, ou até mesmo com os diferentes intérpretes da continuidade. Chega de cover’s, já é tempo de compor alguma coisa de novo!

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